1984 vs. Admirável Mundo Novo?

Orwell nos conta uma história que se passa no “futuro” ano de 1984 na Inglaterra, parte integrante do megabloco da Oceania. O megabloco imaginado por Orwell tem este nome por ser uma somatória de países de todos os oceanos. A Oceania vive um totalitarismo, disfarçado de democracia, desde que o IngSoc (o Partido) chegou ao poder sob a tutela do ubíquo Grande Irmão. 

A história de Winston Smith, membro do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade, narra sua função diária de reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido, em outras palavras, seu ofício era transformar a realidade. No Ministério da Verdade, ele alterava dados e jogava os originais no incinerador, assim como tudo que pudesse contradizer as vontades e desejos do Partido.  A todo o momento, Winston questiona a opressão que o Partido exercia sobre a sociedade. Caso alguém pensasse de maneira diferente da do partido, esta pessoa cometia crimidéia, ou seja, crime de idéia, sendo inevitavelmente presa pela Polícia do Pensamento e desaparecia sem deixar rastros ou pistas. 

O livro 1984 enfatiza o indivíduo como uma mera peça para servir ao estado ou ao mercado através do controle total, incluindo o pensamento (duplipensar) e a redução do idioma (novilíngua). Winston Smith representa o cidadão do futuro onde é constantemente vigiado pelas teletelas e pelas leis e regras do Partido.  Ele e todos os cidadãos sabiam que qualquer atitude suspeita poderia significar seu desaparecimento, criando um clima de total paranóia entre as pessoas, onde os colegas de trabalho, vizinhos e os próprios filhos eram incentivados a denunciar à Polícia do Pensamento quem cometesse crimidéia. 

Apenas como exemplo, vejamos o caso recente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao anunciar uma parceria com o Facebook e o WhatsApp para “combater a desinformação e abusos durante as eleições 2020”.  O acordo faz parte de uma série de medidas tomadas pelo tribunal para incentivar a circulação de “informações oficiais” sobre o processo eleitoral eliminaando a circulação de notícias falsas, uso indevido de robôs, impulsionamentos ilegais e uso de perfis falsos.  É a policia do pensamento travestida de juízes da mais alta corte do país.

Já Aldous Huxley, criou uma “fábula” futurista sobre uma sociedade completamente organizada, mostrando um mundo constituído por um sistema científico de castas, de excessiva ordem onde todos os indivíduos eram regulados desde a sua geração por controle genético (predestinação) e condicionamento mental. As castas eram divididas em superiores: betas, alfas e alfas + que se originavam de óvulos biologicamente superiores e fertilizados com esperma biologicamente superior. As castas inferiores: mais numerosas que as castas superiores, recebiam um tratamento diferenciado provenientes de óvulos inferiores, fertilizados por esperma de qualidade inferior, passando por um processo chamado de Bokanovsky, sendo tratados com álcool e outros venenos protéicos.  

Este sistema de castas mantinha as pessoas dominadas pelo sistema em prol de uma aparente harmonia na sociedade; a livre escolha abolida, a servidão tornou-se aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida pelo “Soma” (a droga liberada do futuro), e onde as ideologias eram comunicadas e ensinadas em cursos noturnos ministrados durante o sono.   O Soma não tinha nenhum efeito colateral indesejável. Tomado em pequenas doses proporcionava uma sensação de felicidade; porém, em doses mais altas, provocava visões agradáveis, sem qualquer desgaste físico ou mental. Questionamentos, dúvidas e conflitos não tinham espaço na sociedade de Huxley, pois até os desejos e ansiedades eram controlados pelo “Soma”, tendo como primordial objetivo, preservar a ordem e a estabilidade. 

Ambos os autores não são antagônicos em suas obras.  Muito pelo contrário!  Suas obras são complementares, pois o mundo atual é um mundo embasado no desenvolvimento da genética, entre as castas superiores e inferiores, mas controlado pelo grande irmão.  A tecnologia e a internet viabilizam o acesso para as teletelas, falaescreve e demais ferramentas para o controle em qualquer parte do planeta, com exceção dos lugares onde as proles estiverem.  

A idéia de controle total apoia-se na premissa de que somente onde estiverem cabeças pensantes será necessário mantê-las sob vigilância constante, controlando seus passos, seus olhares, suas ações e seus sentimentos.  A prole não precisa de controle, pois basta dar-lhes o mínimo possível e ela se contenta:  constituída por pessoas que vivem sob uma realidade de pobreza, miséria ou sem formação educacional, tornando-as alienadas, impedindo-as de raciocinar, avaliar e exigir qualquer mudança.  O sentimento que perdura é o de que poderia ser melhor, mas está bom assim.  Seus desejos e anseios são de natureza simples. Basta ter suas necessidades básicas como alimentação e moradia satisfeitas pelo governo e o resto é supérfluo.  

Minha teoria sobre muitas leituras de “1984” é que a prole é simplesmente a classe baixa — os desfavorecidos, sem força política e sem instrução. Eu diria que eles têm contrapartes em todas as economias do mundo — indivíduos das classes trabalhadoras mais pobres que são facilmente iludidos e manipulados; fracos demais para lutar contra o poder existente.

As obras de Orwell e Huxley não são mais consideradas futurísticas…  Elas são a realidade daquilo que sempre costumávamos pensar como futuro distante.

Alexandre Freire

Alexfreire01@gmail.com